SIDERÓPOLIS AINDA ME LEMBRO

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Um espaço para as pessoas da Terrinha Boa, que poderão  contribuir, a exemplo do amigo Mano Savi, com algumas histórias. Com certeza muita gente tem boas recordações para contar.

Um espaço para as pessoas da Terrinha Boa, que poderão  contribuir, a exemplo do amigo Mano Savi, com algumas histórias. Com certeza muita gente tem boas recordações para contar.

VALDO

Era um moleque franzino,
Porém cheio de ginga,
Quem não lembra do menino,
Era filho do Guinga.

Magrelo, canela fina,
Batia uma bola, um bolão,
Naquela Vila de mina,
Vila de mina de carvão.

Cada jogada bonita,
Digna de um campeão,
Nós vimos lá no Fiorita,
Quando o Valdo entrava em ação.

O nosso grande Fiorita,
Acabou ficando pequeno,
E pra ele sair na fita,
Procurou outro terreno.

Foi em Porto Alegre no Grêmio,
Que despontou o menino,
Parece ter sido um prêmio,
Lá dos céus, prêmio Divino.

Com sua ginga, sua jogada,
Foi parar na seleção,
Que impulsionou sua jornada,
Pra Portugal, França e Japão.

SOBE E DESCE

Fioritenses ou fioritanos,
O gentílico, esquece,
É aquele que por anos,
Bateu bola no sobe e desce

No inverno ou no verão,
Um joguinho sempre aquece,
Onde se jogava um bolão?
Era lá no sobe e desce.

O Maracanã do Fiorita,
Há quem duvida, mas parece,
Era uma rampa bonita,
Chamada de sobe e desce.

Tantos craques lá jogaram,
Mas tem um que prevalece,
Entre tantos que passaram.
No querido sobe e desce.

Foi o Valdo, grande atleta,
Que o Fiorita enobrece,
Entre a turma seleta,
Que jogou no sobe e desce.

Hoje resta a lembrança,
É obvio, ninguém esquece,
Lá dos tempos de criança,
Os jogos no sobe e desce.

CAMPINHO

Falar do Rio Fiorita dos anos 60 e não falar do Guilherme, é como se não estivesse falando do Rio Fiorita.
O Guilherme era gente boa, destemido e respeitado, não aturava desaforo.
Por ter um pequeno problema no pé, o pessoal chamava-o de “mula manca”, mas nunca na sua presença, porque a reação era instantânea.
Esse problema não o atrapalhava em nada, tanto que era um exímio ciclista como também futebolista. Quantas vezes ele montado em sua bike surgia do nada nas festas da Gruta de Treviso, festa de São Vitor e muitas outras festas nas comunidades espalhadas pelo interior de Siderópolis da época. Era excelente atleta, bom de bola, tinha um chute potente que amedrontava qualquer goleiro.
Dos campos de “peladas” no Rio Fiorita, os dois mais famosos sempre foram o “Sobe-e-Desce” próximo ao escritório da CSN, no lado da Geminada, e o “Serro da Vaca Magra” na margem direita do Rio Fiorita, próximo ao encontro da Rua do Comércio com a Rua 11. O terceiro campo de “peladas”, era o campo do Guilherme, que ficava nos resquícios de uma antiga pedreira exatamente em frente ao Clube União Mineira. Para se fazer um “futebolzinho” nesse campo, que não tinha nada de grama, chamávamos de Pasto de Bode, porque tinha apenas umas touças de capim incrustadas na areia remanescente da abandonada pedreira, só com autorização do Guilherme. Às vezes uns mais afoitos arriscavam uma “peladinha” no Campo do Guilherme, mas se ele ouvisse o barulho da bola, no mesmo instante aparecia, e impondo a voz, perguntava:
– Quem foi que autorizou vocês a jogarem no meu campo?
O silencio era fúnebre, mas dependendo dos atletas ele perdoava e deixava-os continuar jogando, desde que arranjasse um lugar para ele.
Se os atletas do momento não eram do seu agrado, tinham que pôr a bola debaixo do braço e partir para outro local, geralmente no “campinho” que ficava em frente a Assembleia de Deus, na época conhecida como Igreja dos Evangelistas.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

MAIS UM CAUSO ENVOLVENDO FIORITANOS

O Robson Cardoso, filho do Sr. Walter, e eu, num belo sábado cedinho, deslocamo-nos para o trevo de Forquilhinha em São Jose, a fim de uma carona para o sul.
Após uma razoável espera surgiu uma, porém só até Imbituba. Embarcamos e lá chegamos perto do meio-dia. A barriga roncando, e o Robson veio com essa:
– Mano, vamos almoçar na casa da Vó?
E lá fomos nós, em direção aquelas casas do porto. Foi uma recepção incrível, fui tratado como neto. A Vó dele preparou um pirão de peixe, que até hoje nunca comi um que chegasse perto, simplesmente saborosíssimo.
Após um bate papo, a Vó dele nos aconselhou a pegar o Ônibus da Empresa Alvorada para Tubarão.
E foi o que fizemos.
Lá pelas tantas, o cobrador que vinha sentado sobre o compartimento do motor do Ônibus, saiu para fazer as cobranças.
Um cara magro, cabeludo e mancava de um pé.
Falei: – Robson, aquele cara é o Guilherme. (Para quem não lembra, morou na Rua 16 no Rio Fiorita, era filho do marceneiro Sr. Ervim Maia).
Quando ele chegou para nos cobrar perguntei:
Cara, já morastes em Siderópolis?
Ele, carrancudo respondeu:
Nunca ouvi falar desse lugar.
E ficou por isso.
Próximo da chegada a Tubarão ele inventa de ir até o fundo do ônibus e nos abordar:
– Por que me perguntaste se morei em Siderópolis?
Respondi: Nos meus tempos de criança, conheci um cara parecido contigo.
Aí ele abriu um sorriso e se entregou.
– Esse tal de Guilherme não era um cara que todo mundo temia?
– Isso mesmo.
– Sou eu, o pessoal dizia que eu era um “demonho”.
Daí pra frente fomos de papo furado até a rodoviária de Tubarão.

EMA

Ema é uma ave do cerrado, mas eu conheci uma outra, que nada tem a ver com aves, foi minha professora, e diga se de passagem, excelente professora.
Eu fui um dos fioritano que para “entrar mais forte” no ginásio, cursou o quinto ano primário no Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi. Lembro que nossa professora era dona Zulma, que no segundo semestre foi substituída pela professora Maria Flausina. Mas nossa turma não era das melhores…..
Meu pai prezava muito pelos estudos dos filhos, e ficou sabendo que a Dona Ema estava dando aulas de reforço para o pessoal que iria fazer o exame de admissão ao ginásio no Colégio Dom Orione, então solicitou uma vaga para mim.
E chegou o dia do exame, era meados de dezembro de 1966, exatamente no dia e horário que um guincho da Cia Carbonífera Treviso estava erguendo uma enorme pedra em frente ao colégio. Pedra essa que hoje evidencia a Praça do Imigrante.
No dia seguinte ao exame, voltamos para o Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi, onde Dona Ema perguntou a cada um sobre o desempenho nas provas.
– Fulano?……. – A prova foi mais ou menos.
– Beltrano? … – Foi tranquilo, acho que vou passar.
– Cicrano? …….- A prova foi difícil.
– Floriano? ……- A prova foi fácil.
– Vânio? ……….- Abaixei a cabeça, e encabulado não dei a resposta até hoje.
Quando foi divulgado o resultado, daquela turma só eu havia passado.
Acho que aquele ano os padres e clérigos do Colégio Dom Orione haviam “arroxado”. Para completar a turma tiveram que fazer outro exame, após alguns dias de reciclagem que era conhecido por “segunda época”.
(Da série: Fioritano pura cepa)
Mano

MOTOR

Não foram poucas as vezes que eu e meu primo Antônio saímos montados no velocípede, o Motor JAWA 51, cor bordô, para anotar as encomendas junto aos clientes, principalmente quando estava agendada a matança de porcos. Tinha quem encomendava 2 Kg de serro bem carnudo, quem queria 3 Kg de salame, 1/2 Kg de torresmo, 1 pernil inteiro, e também quem reservava a fressura, e por aí a fora.

Num certo dia de verão, quando não se matava porco, e com o calor amadurecendo as bananas armazenadas no paiol, saímos, meu primo e eu com sacolas de lonas cheias até a boca de bananas maduras, oferecendo a preços módicos, pelas ruas do Rio Fiorita. Ele alguns dias mais velhos que eu, tinha prioridade, saia pilotando e eu na garupa com as bolsas à tiracolo. A cada parada fazíamos o revezamento para que a pilotagem, que era o divertido do serviço, ficasse democraticamente dividida.

Numa dessas sobrou para mim a pilotagem de regresso, da Geminada para o Fiorita. Eu, afoito no guidão, acelerava a cada curva que se aproximava, e ele na garupa me excomungava, pedindo para que eu pilotasse mais devagar, e jogando pérolas no ar, do tipo: “vai pra ponte de paris”, seu “filho da luta” e outros adjetivos indignos de serem aqui citados.

Eu cada vez acelerava mais, e nesse dia só acionei os freios no momento de cruzar o trilho, ou melhor, a via férrea. Daí em diante não ouvi mais resmungos, só sei que quando cheguei em casa ele não estava na garupa do “motor”. Quando me dei conta do fato, imaginei que ele havia caído pelo caminho. Voltei ao encontro dele, e encontrei-o caminhando, “P” da cara, então perguntei o que houve.

– Na hora que aliviaste para cruzar o trilho, estiquei as pernas e o “motor” se foi.

Carona ele não quis mais, e eu tive que me amarrar para chegarmos juntos em casa, e assim evitar ter que dar explicação a meu pai.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópois.

 

RIVALIDADE

Não lembro com precisão a data, era na década de 60. Naquele ano as equipes de Criciúma, Içara, e Araranguá, estavam desclassificadas. As maiores forças do futebol da LARM – Liga Atlética da Região Mineira estavam em Siderópolis. Em ordem alfabética, para não desagradar quem quer que seja, Grêmio Esportivo Treviso e Itaúna Atlético Clube, meu time do coração diga-se de passagem, dominavam a cena, eram as equipes classificadas para levantar a taça. A primeira partida realizada no Estádio Engenheiro Sebastião Toledo dos Santos terminou em 0 X 0. Tendo em vista a vantagem do Itaúna durante o transcorrer do campeonato, bastava ao Itaúna um empate para consagrar-se campeão e desfilar com “o caneco” pelas ruas do Rio Fiorita e de Belluno, é óbvio.

Chegou o dia da decisão. O Estádio Engenheiro Mozart Vieira lotado. Aproximadamente aos 40 minutos do segundo tempo o Itaúna num lance magistral encaixa uma bola nas redes do Treviso. Para quem precisava apenas de um empate, foi só alegria, delírio no estádio, a torcida do Itaúna estava inflamada. A euforia era grande. Então reuniu-se uma turma de apaixonados pelo Itaúna, formaram uma charanga, e cada um com seu instrumento musical, com predominância de percussão e sopro, ou para facilitar o entendimento, com tambores, tamborim, corneta e saxofone, puxaram o batuque da vitória. A torcida do Itaúna, gingava embalada pela charanga, quando de repente, não mais que de repente o Treviso faz um gol. Mas a charanga continuava seu batuque. Em seguida, o Treviso faz mais um gol, liquidando a fatura, calando a torcida do meu Itaúna.

Houve quem falou que as consequências desastrosas para o Itaúna foi a entrada da charanga, que por mais incrível que pareça embalou a equipe adversária.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

 

MISSÕES

Eu nem havia sido matriculado no Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi, mas já estava inscrito na doutrina da Primeira Comunhão. Costumava ir mais cedo para a capela de Santa Barbara, nesse ínterim, enquanto aguardava os colegas que saiam da aula as 17H00, eu permanecia próximo aos trilhos da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, onde costumava colocar pregos sobre os trilhos da via férrea para serem amassados pelas rodas da locomotiva, tornando-se flechinhas e espadinhas.

E vieram as missões, ainda me lembro animadas por Frei Dimas e Frei Eliseu, que se deslocaram de Vacaria no Rio Grande do Sul para as missões em Siderópolis. Eu e meus colegas, crianças atentas às suas pregações e seus ensinamentos. Após as pregações, partíamos para os ensaios dos cânticos, com nossas catequistas.

E chegou o dia da despedida dos Freis. Nós na carroceria do caminhão do Sr. Possoli, estacionado ao lado da capela, ingênuos e inocentes, com lágrimas nos olhos catávamos.

Adeus dos céus Rainha, Oh Mãe do Salvador,

Adeus Mãe carinhosa, Adeus, Adeus, Adeus…

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

POLICIAIS

Naqueles tempos Siderópolis tinha apenas dois policiais, um trabalhava em Belluno e outro no Rio Fiorita. Eles eram as autoridades mais temidas, principalmente pelas crianças, pois era costume dos pais intimidar os filhos que não obedeciam, com a célebre frase: “Obedece, senão eu chamo a polícia”.

Até aqui tudo bem.

Quando nos formamos no ginásio, na nossa excursão de formatura, passamos por Florianópolis, cruzando a Ponte Hercílio Luz, a única que existia na época, ligando o Continente a Ilha de Santa Catarina. Seguimos pela Avenida Rio Branco até chegar na Praça Getúlio Vargas, mais conhecida como Praça dos Bombeiros, por estar ali o quartel do Bombeiros Militares de Florianópolis. Esses detalhes sei informar agora, é claro que na época apenas sabia que estávamos passeando pela capital do Estado.

Deixa estar que quando nosso ônibus, pilotado pelo saudoso Sr. Arlindo Cesa chegou na esquina da citada Praça, havia pena ocorrido um acidente automobilístico. Como o trânsito ficou interditado, descemos do ônibus curiosos para ver o ocorrido. No mesmo instante começou a chegar policiais, um atrás do outro, foram dezenas e mais dezenas de policiais. Fiquei impressionado com a quantidade de policiais para atender uma ocorrência de trânsito em Florianópolis, afinal Siderópolis tinha penas dois policias para dar conta do município todo, e nesse acidente surgiram mais de uma centena.

O tempo passou e eu descobri que na praça também está localizado o Quartel da Polícia Militar.

Aí me veio essa: só podia ser o horário de saída dos policiais da academia, eram muitos policiais curiosos tal qual nós.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

MINESTRA

Cursava o ginásio, deveria ter 13 a 14 anos, quando num belo dia chegando em casa vindo do Rio Fiorita onde trabalhava na venda de meu pai e meu tio, dei de cara com um parque de diversão sendo montado no terreno baldio em frente a nossa casa.

Foi a primeira vez que um parque de diversão se instalara em Siderópolis.

No dia seguinte pedi para meu pai uma graninha para desfrutar de um dos brinquedos do parque. Eu não tinha a mínima noção de qual brinquedo escolher para investir a graninha que havia ganho. Observei atentamente o pessoal que se divertia, e pela reação da criançada achei que o CHAPEU MEXICANO, aquela roda recheada de cadeirinhas penduradas por correntes, girando em alta velocidade fazia a criançada ir ao delírio, seria a minha opção de brinquedo. Mesmo assim guardei ao dinheiro para o dia seguinte, após uma análise mais apurada em função da adrenalina exalada pelo pessoal.

Dia seguinte quando cheguei do serviço, fui direto jantar para depois curtir o parque de diversões. O sistema de som, que não passava de velhos e surrados microfones, batia direto em meus ouvidos, mesmo estando na cozinha. A música que mais tocava, ainda me lembro, a letra era: sonhei que estava acordado, acordei pra ver, e estava dormindo……

Barriga cheia, afinal, havia jantado muito bem, dirigi-me ao parque, paguei meu bilhete e me encaminhei para o CHAPÉU MEXICANO. Sentei me numa cadeirinha e logo o brinquedo começou a girar. Quando a velocidade começou a aumentar, mais a gurizada gritava, menos eu que vomitava jatos de minestra.

Até hoje não sei se o pessoal gritava devido a adrenalina, ou devido a minestra que respingava longe.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

MÁQUINAS

A CSN, Companhia Siderúrgica Nacional, dispunha de várias máquinas e equipamentos para extração de carvão. Por ser uma Estatal Federal, estava sempre na vanguarda. Tinha a ‘Marion’, uma enorme draga para mineração a céu aberto que era utilizada nas minas de profundidades maiores; a “Pata”, (tinha esse nome devido as patas utilizadas para movimentação) para profundidades menores; a”‘Shovel” – que o pessoal chamava carinhosamente de “Xove” espécie de pá carregadeira utilizada para abastecer os caminhões basculantes, responsáveis pelo transporte do carvão da mina até o lavador; o “Gafanhoto” – equipamento que deve ter inspirado a escada rolante – com uma série de caçambinhas utilizado no carregamento dos caminhões; a “Cardoca”, máquina de perfuração horizontal para abrir os nichos de instalação do material explosivo aplicado na detonação de rochas; a “Sonda”, máquina de perfuração vertical para localização dos veios de carvão e muitas outras máquinas para as mais diversas aplicações. Mas tinha uma que era o grande xodó da gurizada: a tal de “Maria Comprida”. Essa máquina era a responsável pela nivelação das estradas, e dispunha de duas rodas menores na dianteira e quatro maiores na traseira, sendo que essas quatro faziam a alegria da galera, que com uma baqueta, corria atrás da máquina batendo nas rodas, como se estivessem empurrando-as, e saia feliz por ter empurrado a Maria Comprida.

Durante meu curso de engenharia, fiquei sabendo que a tal de Maria Comprida, que o operador chamava de “Patrola”, na real denomina-se Motoniveladora”.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

LEITE

Lembro-me que na infância, cedinho, logo que o dia amanhecia, eu saia de casa com um litro vazio daqueles de “Vermute Uru”, dentro de uma sacola de pano, caminhando pelas ruas do Rio Fiorita para buscar leite que meu pai pagava mensalmente aos mais diversos fornecedores. Falo diversos, porque frequentemente o fornecedor era substituído, afinal, o terneiro crescia, virava bezerro e a vaca não dava mais leite. Prevendo o fato, minha mãe já esquematizava com alguém que tivesse uma vaca prenha, e assim garantia o fornecimento de leite para a prole que não era pequena, e o leite tinha função fundamental na nossa alimentação.

Quantas vezes quando criança comi polenta com leite.

Geladeira nós não tínhamos, mas a criatividade de minha mãe era muito grande. Para o leite não azedar de um dia para o outro, ela colocava a leiteira que era de metal esmaltado, já surrada pelo tempo, na varanda, coberta com um prato, e sobre esse um tijolo, assim o sereno da madrugada conservava o leite até o dia seguinte, fazendo o papel da geladeira.

E aí você me pergunta:

– Para que o tijolo sobre o prato?

Para que os gatos não derrubassem o prato e tomassem nosso leite, ora bolas!

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

BUZINA

Quem não lembra do Buzina?

Buzina, era a alcunha do Luiz, morava nos fundos da Rua 12, perto da “Duzentas”.

Naqueles tempos ele morava sozinho, isolado da comunidade, numa casinha simples e humilde sem água e sem energia elétrica, no meio dos morros feitos pelas maquinas da Companhia Siderúrgica. Só conheceu a casinha dele quem costumava brincar na “Duzentas”, ficava quase escondida, o acesso era um pouco difícil.

Ele era muito gente boa, não tinha emprego fixo, viva de uns “bicos”, que fazia, era um serviço aqui outro acolá, mas sempre com muita honestidade. Estava sempre disposto a qualquer serviço para o qual era requisitado, principalmente o de jardinagem.

Por ser um cara que vivia um pouco isolado, muitas vezes era discriminado. Quantas ocorrências atípicas que se passaram no Rio Fiorita da época foram imputadas a ele, que nada tinha a ver com o caso.

Era fácil jogar a culpa em pessoas indefesas.

Não faz muito tempo ouvi dizer que mora em Içara e está muito bem de vida.

Força Buzina, vamos em frente.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

CAMPINHO

Falar do Rio Fiorita dos anos 60 e não falar do Guilherme, é como se não estivesse falando do Rio Fiorita.

O Guilherme era gente boa, destemido e respeitado, não aturava desaforo.

Por ter um pequeno problema no pé, o pessoal chamava-o de “mula manca”, mas nunca na sua presença, porque a reação era instantânea.

Esse problema não o atrapalhava em nada tanto que era um exímio ciclista como também futebolista. Quantas vezes ele montado em sua bike surgia do nada nas festas da Gruta de Treviso, festa de São Vitor e muitas outras festas nas comunidades espalhadas pelo interior de Siderópolis da época. Era excelente atleta, bom de bola, tinha um chute potente que amedrontava qualquer goleiro.

Dos campos de “peladas” no Rio Fiorita, os dois mais famosos sempre foram o “Sobe-e-Desce” próximo ao escritório da CSN, no lado da Geminada, e o “Serro da Vaca Magra” nas margens direita do Rio Fiorita, próximo ao encontro da Rua do Comércio com a Rua 11. O terceiro campo de “peladas”, era o campo do Guilherme, que ficava nos resquícios de uma antiga pedreira exatamente em frente ao Clube União Mineira. Para se fazer um “futebolzinho” nesse campo, que não tinha nada de grama, chamávamos de Pasto de Bode, porque tinha apenas umas touças de capim incrustadas na areia remanescente da abandonada pedreira, só com autorização do Guilherme. Às vezes uns mais afoitos arriscavam uma “peladinha” no Campo do Guilherme, mas se ele ouvisse o barulho da bola, no mesmo instante aparecia, e impondo a voz  perguntava:

– Quem foi que autorizou vocês a jogarem no meu campo?

O silencio era fúnebre, mas dependendo da clientela ele perdoava e deixava-os continuar jogando, desde que arranjasse um lugar para ele.

Se os atletas do momento não eram do seu agrado, tinham que pôr a bola debaixo do braço e partir para outro local, geralmente no “campinho” que ficava em frente a Assembleia de Deus, na época conhecida como Igreja dos Evangelistas.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

BALAUSTRES

O tempo passou e eu voltei ao meu Rio Fiorita.

Sempre que lá volto, visito os lugares que me trazem boas lembranças, e são muitos esses lugares.

A visita à Capela de Santa Barbara, imponente sobre a colina, é de lei, nem que seja apenas para uma olhadinha externa, essa visita sempre faço.

Naquele dia a capela estava aberta, entrei, observei os detalhes, as imagens, em seguida a arquitetura e neste instante senti um vazio, faltava alguma coisa e isso me incomodou um pouco.

O que estava faltando?

Os balaústres que faziam a divisória que chamávamos de “cerquinha” a qual dividia o altar, quase exclusivo dos padres e coroinhas, da área reservada à comunidade. Na época eu nem sabia que balaústres era o nome daqueles “barrotes de madeira torneados”, que faziam a divisória.

Um degrau abaixo da linha dos balaústres, encontrava-se o genuflexório, ou, num português mais acessível, o estrado onde a comunidade se ajoelhava para a Comunhão, sempre após uma hora de jejum, no mínimo.

Os balaústres se foram, a Capela ficou maior, e a saudade mais ainda.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.                                                                                                                      Mano Savi

ARQUINHO

A gente pronunciava “Duzentas”, essa era a denominação de uma máquina de escavação que ficou abandonada na mina, nos fundos da rua 12.

O pessoal comentava que a Companhia abandonou a máquina na mina porque estava dando muita manutenção, quase todo dia quebrava uma peça.

Entre os mineiros, depois de beber umas e outras, era comum comenta que foi uma praga de uma Padre, porque a máquina trabalhava direto, não respeitando sábados nem domingos. Dizem que num certo domingo a máquina atrapalhou uma procissão pelas ruas do Fiorita, e deu no que deu.

Na máquina abandonada a rapaziada do Rio Fiorita brincava de “Cow Boy”, que chamávamos de “camõe”, se escondendo em tudo quanto é canto, e também no porão que era apinhado de morcegos. Tinha também aquele pessoal que ia na máquina com chaves nos bolsos, para afrouxar parafusos e se apropriar de peças, geralmente arruelas. Tinham umas arruelas gigante que o pessoal usava para brincar de “arquinho de moda”, aquela saudosa brincadeira, na qual a gente empurrava uma rodinha (a famosa arruela tirada da “duzentas”, as vezes uma roda da chapa do fogão a lenha, ou qualquer outra roda improvisada), empurrada com um arame dobrado em forma de “U” espetado numa rama de aipim.

– Alguém lembra desse brinquedo?

Fazia parte da diversão da gurizada no Rio Fiorita.

Eu quando criança, brincando de “arquinho de moda”, fui atropelado pelo Ailton, filho do Seu Edmundo, levei três pontos no rosto.

Com o passar do tempo, a Companhia vendeu a “Duzentas” como sucata para uma Fundição de Joinville, a qual encaminhou para Siderópolis dois funcionários para desmontar o que ainda restava. Ainda guardo na lembrança, era o Seu Rosa um baixinho e o Seu Raul alemão alto e de vasto bigode, “a la sargento Garcia”.

Os dois tinham o costume de no final da tarde, após mais um dia de labuta, irem na venda dos Savi beber umas biritas. Eu muitas vezes abasteci os “martelinhos” e os “lisos” com cachaça purinha, agrião, losna, limão, mastruço, porém nunca fiquei sabendo se era vicio, ou se servia de relaxante muscular após um árduo dia de trabalho.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

MOTOCICLETA

Naquele tempo chamávamos de “motor”. Meu pai e meu tio tinham um em sociedade. Era de fabricação Tcheca, marca JAWA, ano 1951, cor bordô, um dos “motores” mais conhecidos em Siderópolis, juntamente com o do Seu Alcino, que tinha as mesmas características, inclusive a mesma cor.

Muitas vezes meu pai colocava uma saca com 60 Kg de milho sobre o tanque de gasolina, ligava o motor, pois eu franzino nos meus 13 ou 14 anos de idade, nem se quer tinha forças suficiente para acionar o pedal de arranque, e pedia para que eu levasse a saca de milho até a atafona do Sr. Giocondo, pra lá de Treviso, no caminho de quem vai para Forquilha. Geralmente dois dias depois eu regressava para buscar a farinha. Só ia se fosse tempo firme, pois se tivesse tempo nublado corria o risco de trazer a “polenta pronta”. A carga voltava com uns 40 Kg, pois tinha a “quebra” e também o percentual referente ao pagamento do serviço de moagem, que era feito em farinha.

Lembrando que eu não tinha forças o suficiente para acionar o pedal de arranque, o senhor Giocondo ligava o motor, e eu cabelos ao vento, pois na época não era costume, muito menos obrigatório usar capacete, voltava para casa feliz da vida por mais uma etapa ganha.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

DENTES

Dentista também era artigo de luxo naqueles tempos. O pessoal da CSN tinha dentistas conveniados com o Sindicato dos Mineiros. No nosso caso, a salvação era o Sr. João Sonego em Treviso. Eu deveria ter perto de 7 anos, estava na idade de trocar os dentes, sair da dentição decídua, naqueles tempos conhecidos como, “dentes de leite”, para a dentição definitiva. O dentista do Sindicato costumava dar uma “fuginha” no meio da tarde para fazer um lanche na Venda dos Savi. Numa dessas, meu saudoso Pai, Seu Gialdino, mais conhecido por Seu Galdino, falou com ele sobre meus dentes que estavam moles e em breve cairiam. Ele gentilmente deu uma olhadinha superficial e pediu para que eu fosse ao consultório no final do expediente. Fui lá e voltei para casa com cinco dentes embrulhados num guardanapo, e consequentemente “uma fresta” no sorriso. Com uma só anestesia extraiu 5 dentinhos. A noite veio, e com ela a febre, chegou perto dos 40 ºC. Naquela semana não foi possível comer minestra com queijo e salame, foi capilé bem gelado com balachão Araré, alternando com bolacha Maria, até o dia que baixou a febre e cicatrizou a gengiva. No dia seguinte a efeméride, quando o dentista foi fazer o tradicional lanche da tarde, meu Pai, perguntou:

– Quanto foi o serviço?

– Não foi nada não.

Meu Pai então deu-lhe de presente duas “pernas de salame” e uma “roda de queijo colonial”.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

ENCICLOPÉDIA

Nos anos de 1960 minha geração cursava o primário no Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi no Rio Fiorita. Todos respeitavam as professoras, afinal elas eram autoridades. Tempos bons aqueles.

Lembro-me que num belo dia chegou um senhor, esbelto, bem vestido, cabelos repletos de brilhantina, era o vendedor de enciclopédias, que em sua passada pelo Rio Fiorita passou a ser mais respeitado que as professoras.

Foi-nos apresentado pela diretora, e em seguida fez um discurso sobre as grandes vantagens de se ter uma enciclopédia em casa, distribuiu panfletos para levarmos aos pais, na intenção de convencê-los a comprar uma daquelas coloridas coleções de livros.

Durante sua estada no Rio Fiorita, foi tratado como autoridade máxima, afinal tinha vindo da capital, vestia-se com calça vincada, e camisa manga longa sob um impecável paletó, e isso impunha respeito.

Anos mais tarde quando fui para Florianópolis cursar Engenharia, numa de minhas costumeiras passagens pela Rua Felipe Shmitd, mais precisamente no Bar Senadinho, onde os aposentados costumam jogar conversa fora, carteado e dominó, sabem quem estava lá, mais uma vez bem vestido, porém sem brilhantina nos fios capilares? Aquele que um dia, no Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi foi mais respeitado que as professoras, o vendedor de enciclopédias. Era um ser humano igual a todos nós.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

RIM

O inverno ia se aproximando, e com ele chegava a época de matar porcos. Abater os animais, destrinchá-lo, derreter o toicinho para fazer banha, e por tabela fazer o saboroso e saudoso torresmo dos Savi. Também se fazia salame para comer com minestra, e salgava-se alguns nacos de toicinhos para conservá-los, os quais seriam degustados em tempos futuros. Hoje são conhecidos por “bacon”.

A gente pulava da cama cedo, lá pelas 05H00 da matina, meu pai colocava fogo sob o tacho para ferver a água enquanto os animais eram abatidos.

Meu saudoso pai era especialista no abate, e nas demais etapas de destrinchamento. A gurizada, entre eles eu, picavam as tiras de toicinho em pequenos cubos que eram levados ao tacho para derreter a banha e fazer o torresmo. O cerimonial era realizado com muito cuidado para não passar do ponto, e exigia que fosse mexido constantemente com uma pá de madeira, semelhante a um remo. Nós sorrateiramente amarrávamos rim suíno com cordão de amarrar salame e jogávamos no interior do tacho junto ao toicinho que derretia. O cordão tinha a finalidade de facilitar a “pesca” tendo em vista que o rim cozia muito rápido na banha que borbulhava, evitando que se perdesse tempo procurando-o no meio da banha. Quando o rim estava cozido a gente fazia uma grande festa, cortando-o em fatias e temperando-o com limão para então saboreá-lo.

O tempo passou e quando estava cursando o científico no Colégio Marista de Criciúma, numa aula de biologia fiquei sabendo a função do rim. Quase vomitei na sala de aula. Nunca mais quis saber de comer rim.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

GAITINHA

O natal se aproximava e chegava a hora de fazer o pedido ao papai Noel.

Naquele distante ano, ainda cursava o primário, pedi de presente uma gaitinha de boca.

O natal chegou, e a gaitinha também. Eu muito feliz saía pelas ruas do Rio Fiorita soprando a gaitinha que respondia com o tradicional o “lari-lará, lari-lará”, mesmo sem ter a mínima noção do era uma nota musical. Eu adorava soprar minha gaitinha de boca. A felicidade era grande. Independente da ignorância em teoria musical, a gaitinha quando não estava sendo soprada lá pela Rua do Comércio, Rua 12, Rua 14 e redondezas, estava devidamente guardada no bolso da calça, calça curta, diga-se de passagem.

Um belo dia quando fui fazer minhas necessidades fisiológicas, para não dizer que ia “cagar”, e naquele tempo não tínhamos banheiro com vaso sanitário e tudo mais, era a tradicional patente de rua, aquela famosa casinha localizada nos fundos do terreno, a qual no interior tinha um assento com um enorme furo, e lá em baixo um buraco que fazia o papel de latrina, onde pela ação da gravidade e mais um esforçozinho se destinavam a fezes. Nesse dia cheguei na patente razoavelmente apurado, desci a calça, e na tradicional “acocorada” a gaitinha que estava no bolso, deslizou diretamente ao buraco da patente. Que tristeza. De inicio pensei em fazer um “pescador com arame”, para resgatá-la, mas o odor que o ambiente exalava me fez desistir da ideia.

Nunca mais no Rio Fiorita alguém ouviu o “lari-lara, lari-lará” da minha gaitinha.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

SONHOS 

Na tenra infância, nós do Fiorita só nos juntávamos ao pessoal da Geminada na escola ou nos jogos do Itaúna Atlético Clube. No carnaval, enquanto o pessoal da Geminada curtia o Recreio do Trabalhador, nós do Fiorita íamos ao Clube União Mineira, que o pessoal dizia ser o Clube dos Pretos. Na verdade, era administrado pelos nossos irmãos da etnia negra, mas para nós do Fiorita era o melhor Clube do Mundo. Um local onde não havia discriminação, ali todos se divertiam, independentemente de cor de pele, e classe social, o Clube mais eclético que eu conheci. Nele se promoviam muitas festas, mas o carnaval era o auge das comemorações, muito agito, muita gente alegre. Aquelas saudosas marchinhas não deixavam ninguém parado. “O cordão do puxa saco, cada vez aumentava mais”. A festa no interior do Clube era muito animada, porém lá fora havia uma atração muito especial. Era o sonho. O sonho do Paquelim, que com um cesto pendurado no braço vendia sonhos, e era o sonho de muita gente degustar aqueles sonhos, recheados com goiabada. No Rio Fiorita aquele sonho sempre era comercializado nos eventos promovidos pelo Clube União Mineira.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi 

FURUNCULO

O ambulatório da CSN era exclusivo dos servidores da Companhia Siderúrgica Nacional e seus familiares. No meu caso, meu pai não fazia parte do quadro de funcionários da CSN, então a gente só ia lá em duas ocasiões. Uma nas campanhas de vacina, quando a gente se deslocava em fila indiana, do Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi, até o ambulatório e vice-versa, e outra quando íamos levar rãs ao Dr. Girão que adorava degustá-las. As rãs nós abatíamos com uma paulada na cabeça, no ranário natural formado naquele banhado que havia em frente a Assembléia de Deus do Rio Fiorita, que na época a gente chamava de Igreja dos Evangelistas. Deixa estar que num belo dia amanheci com um furúnculo e dos grandes, na axila direita, ou seja, no sovaco. Naquele tempo se dizia que era “furuncu”. Aquilo estava me azucrinado, então ao meio dia fui até a casa do saudoso Sr. João Cascais e mostrei o estrago. Ele não vacilou, no mesmo instante me levou ao ambulatório, aplicou uma anestesia local, e passou o bisturi. Com o capricho e o carinho de um pai, fazendo o uso de um copinho recolhia o pus que jorrava forte, enquanto eu com trauma de agulha e bisturi, olhava para as paredes tentando me descontrair. Procedimento realizado, perguntei quanto foi o serviço, e ele apenas me mostrou o saldo do que estava me incomodando na axila, um copo quase cheio de pus, dizendo deixe para lá.

Foi um muito obrigado, e tudo bem.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

BALAUSTRES

O tempo passou e eu voltei ao meu Rio Fiorita.

Sempre que lá volto, visito os lugares que me trazem boas lembranças, e são muitos esses lugares.

A visita à Capela de Santa Barbara, imponente sobre a colina, é de lei, nem que seja apenas para uma olhadinha externa, essa visita sempre faço.

Naquele dia a capela estava aberta, entrei, observei os detalhes, as imagens, em seguida a arquitetura e neste instante senti um vazio, faltava alguma coisa e isso me incomodou um pouco.

O que estava faltando?

Os balaústres que faziam a divisória que chamávamos de “cerquinha” a qual dividia o altar, quase exclusivo dos padres e coroinhas, da área reservada à comunidade. Na época eu nem sabia que balaústres era o nome daqueles “barrotes de madeira torneados”, que faziam a divisória.

Um degrau abaixo da linha dos balaústres, encontrava-se o genuflexório, ou, num português mais acessível, o estrado onde a comunidade se ajoelhava para a Comunhão, sempre após uma hora de jejum, no mínimo.

Os balaústres se foram, a Capela ficou maior, e a saudade mais ainda.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

EMA

Ema é uma ave do cerrado, mas eu conheci uma outra, que nada tem a ver com aves, foi minha professora, e diga se de passagem, excelente professora.
Eu fui um dos fioritano que para “entrar mais forte” no ginásio, cursou o quinto ano primário no Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi. Lembro que nossa professora era dona Zulma, que no segundo semestre foi substituída pela professora Maria Flausina. Mas nossa turma não era das melhores…..
Meu pai prezava muito pelos estudos dos filhos, e ficou sabendo que a Dona Ema estava dando aulas de reforço para o pessoal que iria fazer o exame de admissão ao ginásio no Colégio Dom Orione, então solicitou uma vaga para mim.
E chegou o dia do exame, era meados de dezembro de 1966, exatamente no dia e horário que um guincho da Cia Carbonífera Treviso estava erguendo uma enorme pedra em frente ao colégio. Pedra essa que hoje evidencia a Praça do Imigrante.
No dia seguinte ao exame, voltamos para o Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi, onde Dona Ema perguntou a cada um sobre o desempenho nas provas.
– Fulano?……. – A prova foi mais ou menos.
– Beltrano? … – Foi tranquilo, acho que vou passar.
– Cicrano? …….- A prova foi difícil.
– Floriano? ……- A prova foi fácil.
– Vânio? ……….- Abaixei a cabeça, e encabulado não dei a resposta até hoje.
Quando foi divulgado o resultado, daquela turma só eu havia passado.
Acho que aquele ano os padres e clérigos do Colégio Dom Orione haviam “arroxado”. Para completar a turma tiveram que fazer outro exame, após alguns dias de reciclagem que era conhecido por “segunda época”.
(Da série: Fioritano pura cepa)
Mano

MOTOR

Não foram poucas as vezes que eu e meu primo Antônio saímos montados no velocípede, o Motor JAWA 51, cor bordô, para anotar as encomendas junto aos clientes, principalmente quando estava agendada a matança de porcos. Tinha quem encomendava 2 Kg de serro bem carnudo, quem queria 3 Kg de salame, 1/2 Kg de torresmo, 1 pernil inteiro, e também quem reservava a fressura, e por aí a fora.

Num certo dia de verão, quando não se matava porco, e com o calor amadurecendo as bananas armazenadas no paiol, saímos, meu primo e eu com sacolas de lonas cheias até a boca de bananas maduras, oferecendo a preços módicos, pelas ruas do Rio Fiorita. Ele alguns dias mais velhos que eu, tinha prioridade, saia pilotando e eu na garupa com as bolsas à tiracolo. A cada parada fazíamos o revezamento para que a pilotagem, que era o divertido do serviço, ficasse democraticamente dividida.

Numa dessas sobrou para mim a pilotagem de regresso, da Geminada para o Fiorita. Eu, afoito no guidão, acelerava a cada curva que se aproximava, e ele na garupa me excomungava, pedindo para que eu pilotasse mais devagar, e jogando pérolas no ar, do tipo: “vai pra ponte de paris”, seu “filho da luta” e outros adjetivos indignos de serem aqui citados.

Eu cada vez acelerava mais, e nesse dia só acionei os freios no momento de cruzar o trilho, ou melhor, a via férrea. Daí em diante não ouvi mais resmungos, só sei que quando cheguei em casa ele não estava na garupa do “motor”. Quando me dei conta do fato, imaginei que ele havia caído pelo caminho. Voltei ao encontro dele, e encontrei-o caminhando, “P” da cara, então perguntei o que houve.

– Na hora que aliviaste para cruzar o trilho, estiquei as pernas e o “motor” se foi.

Carona ele não quis mais, e eu tive que me amarrar para chegarmos juntos em casa, e assim evitar ter que dar explicação a meu pai.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópois.

 

RIVALIDADE

Não lembro com precisão a data, era na década de 60. Naquele ano as equipes de Criciúma, Içara, e Araranguá, estavam desclassificadas. As maiores forças do futebol da LARM – Liga Atlética da Região Mineira estavam em Siderópolis. Em ordem alfabética, para não desagradar quem quer que seja, Grêmio Esportivo Treviso e Itaúna Atlético Clube, meu time do coração diga-se de passagem, dominavam a cena, eram as equipes classificadas para levantar a taça. A primeira partida realizada no Estádio Engenheiro Sebastião Toledo dos Santos terminou em 0 X 0. Tendo em vista a vantagem do Itaúna durante o transcorrer do campeonato, bastava ao Itaúna um empate para consagrar-se campeão e desfilar com “o caneco” pelas ruas do Rio Fiorita e de Belluno, é óbvio.

Chegou o dia da decisão. O Estádio Engenheiro Mozart Vieira lotado. Aproximadamente aos 40 minutos do segundo tempo o Itaúna num lance magistral encaixa uma bola nas redes do Treviso. Para quem precisava apenas de um empate, foi só alegria, delírio no estádio, a torcida do Itaúna estava inflamada. A euforia era grande. Então reuniu-se uma turma de apaixonados pelo Itaúna, formaram uma charanga, e cada um com seu instrumento musical, com predominância de percussão e sopro, ou para facilitar o entendimento, com tambores, tamborim, corneta e saxofone, puxaram o batuque da vitória. A torcida do Itaúna, gingava embalada pela charanga, quando de repente, não mais que de repente o Treviso faz um gol. Mas a charanga continuava seu batuque. Em seguida, o Treviso faz mais um gol, liquidando a fatura, calando a torcida do meu Itaúna.

Houve quem falou que as consequências desastrosas para o Itaúna foi a entrada da charanga, que por mais incrível que pareça embalou a equipe adversária.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

 

MISSÕES

Eu nem havia sido matriculado no Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi, mas já estava inscrito na doutrina da Primeira Comunhão. Costumava ir mais cedo para a capela de Santa Barbara, nesse ínterim, enquanto aguardava os colegas que saiam da aula as 17H00, eu permanecia próximo aos trilhos da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, onde costumava colocar pregos sobre os trilhos da via férrea para serem amassados pelas rodas da locomotiva, tornando-se flechinhas e espadinhas.

E vieram as missões, ainda me lembro animadas por Frei Dimas e Frei Eliseu, que se deslocaram de Vacaria no Rio Grande do Sul para as missões em Siderópolis. Eu e meus colegas, crianças atentas às suas pregações e seus ensinamentos. Após as pregações, partíamos para os ensaios dos cânticos, com nossas catequistas.

E chegou o dia da despedida dos Freis. Nós na carroceria do caminhão do Sr. Possoli, estacionado ao lado da capela, ingênuos e inocentes, com lágrimas nos olhos catávamos.

Adeus dos céus Rainha, Oh Mãe do Salvador,

Adeus Mãe carinhosa, Adeus, Adeus, Adeus…

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

POLICIAIS

Naqueles tempos Siderópolis tinha apenas dois policiais, um trabalhava em Belluno e outro no Rio Fiorita. Eles eram as autoridades mais temidas, principalmente pelas crianças, pois era costume dos pais intimidar os filhos que não obedeciam, com a célebre frase: “Obedece, senão eu chamo a polícia”.

Até aqui tudo bem.

Quando nos formamos no ginásio, na nossa excursão de formatura, passamos por Florianópolis, cruzando a Ponte Hercílio Luz, a única que existia na época, ligando o Continente a Ilha de Santa Catarina. Seguimos pela Avenida Rio Branco até chegar na Praça Getúlio Vargas, mais conhecida como Praça dos Bombeiros, por estar ali o quartel do Bombeiros Militares de Florianópolis. Esses detalhes sei informar agora, é claro que na época apenas sabia que estávamos passeando pela capital do Estado.

Deixa estar que quando nosso ônibus, pilotado pelo saudoso Sr. Arlindo Cesa chegou na esquina da citada Praça, havia pena ocorrido um acidente automobilístico. Como o trânsito ficou interditado, descemos do ônibus curiosos para ver o ocorrido. No mesmo instante começou a chegar policiais, um atrás do outro, foram dezenas e mais dezenas de policiais. Fiquei impressionado com a quantidade de policiais para atender uma ocorrência de trânsito em Florianópolis, afinal Siderópolis tinha penas dois policias para dar conta do município todo, e nesse acidente surgiram mais de uma centena.

O tempo passou e eu descobri que na praça também está localizado o Quartel da Polícia Militar.

Aí me veio essa: só podia ser o horário de saída dos policiais da academia, eram muitos policiais curiosos tal qual nós.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

MINESTRA

Cursava o ginásio, deveria ter 13 a 14 anos, quando num belo dia chegando em casa vindo do Rio Fiorita onde trabalhava na venda de meu pai e meu tio, dei de cara com um parque de diversão sendo montado no terreno baldio em frente a nossa casa.

Foi a primeira vez que um parque de diversão se instalara em Siderópolis.

No dia seguinte pedi para meu pai uma graninha para desfrutar de um dos brinquedos do parque. Eu não tinha a mínima noção de qual brinquedo escolher para investir a graninha que havia ganho. Observei atentamente o pessoal que se divertia, e pela reação da criançada achei que o CHAPEU MEXICANO, aquela roda recheada de cadeirinhas penduradas por correntes, girando em alta velocidade fazia a criançada ir ao delírio, seria a minha opção de brinquedo. Mesmo assim guardei ao dinheiro para o dia seguinte, após uma análise mais apurada em função da adrenalina exalada pelo pessoal.

Dia seguinte quando cheguei do serviço, fui direto jantar para depois curtir o parque de diversões. O sistema de som, que não passava de velhos e surrados microfones, batia direto em meus ouvidos, mesmo estando na cozinha. A música que mais tocava, ainda me lembro, a letra era: sonhei que estava acordado, acordei pra ver, e estava dormindo……

Barriga cheia, afinal, havia jantado muito bem, dirigi-me ao parque, paguei meu bilhete e me encaminhei para o CHAPÉU MEXICANO. Sentei me numa cadeirinha e logo o brinquedo começou a girar. Quando a velocidade começou a aumentar, mais a gurizada gritava, menos eu que vomitava jatos de minestra.

Até hoje não sei se o pessoal gritava devido a adrenalina, ou devido a minestra que respingava longe.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

MÁQUINAS

A CSN, Companhia Siderúrgica Nacional, dispunha de várias máquinas e equipamentos para extração de carvão. Por ser uma Estatal Federal, estava sempre na vanguarda. Tinha a ‘Marion’, uma enorme draga para mineração a céu aberto que era utilizada nas minas de profundidades maiores; a “Pata”, (tinha esse nome devido as patas utilizadas para movimentação) para profundidades menores; a”‘Shovel” – que o pessoal chamava carinhosamente de “Xove” espécie de pá carregadeira utilizada para abastecer os caminhões basculantes, responsáveis pelo transporte do carvão da mina até o lavador; o “Gafanhoto” – equipamento que deve ter inspirado a escada rolante – com uma série de caçambinhas utilizado no carregamento dos caminhões; a “Cardoca”, máquina de perfuração horizontal para abrir os nichos de instalação do material explosivo aplicado na detonação de rochas; a “Sonda”, máquina de perfuração vertical para localização dos veios de carvão e muitas outras máquinas para as mais diversas aplicações. Mas tinha uma que era o grande xodó da gurizada: a tal de “Maria Comprida”. Essa máquina era a responsável pela nivelação das estradas, e dispunha de duas rodas menores na dianteira e quatro maiores na traseira, sendo que essas quatro faziam a alegria da galera, que com uma baqueta, corria atrás da máquina batendo nas rodas, como se estivessem empurrando-as, e saia feliz por ter empurrado a Maria Comprida.

Durante meu curso de engenharia, fiquei sabendo que a tal de Maria Comprida, que o operador chamava de “Patrola”, na real denomina-se Motoniveladora”.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

LEITE

Lembro-me que na infância, cedinho, logo que o dia amanhecia, eu saia de casa com um litro vazio daqueles de “Vermute Uru”, dentro de uma sacola de pano, caminhando pelas ruas do Rio Fiorita para buscar leite que meu pai pagava mensalmente aos mais diversos fornecedores. Falo diversos, porque frequentemente o fornecedor era substituído, afinal, o terneiro crescia, virava bezerro e a vaca não dava mais leite. Prevendo o fato, minha mãe já esquematizava com alguém que tivesse uma vaca prenha, e assim garantia o fornecimento de leite para a prole que não era pequena, e o leite tinha função fundamental na nossa alimentação.

Quantas vezes quando criança comi polenta com leite.

Geladeira nós não tínhamos, mas a criatividade de minha mãe era muito grande. Para o leite não azedar de um dia para o outro, ela colocava a leiteira que era de metal esmaltado, já surrada pelo tempo, na varanda, coberta com um prato, e sobre esse um tijolo, assim o sereno da madrugada conservava o leite até o dia seguinte, fazendo o papel da geladeira.

E aí você me pergunta:

– Para que o tijolo sobre o prato?

Para que os gatos não derrubassem o prato e tomassem nosso leite, ora bolas!

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

BUZINA

Quem não lembra do Buzina?

Buzina, era a alcunha do Luiz, morava nos fundos da Rua 12, perto da “Duzentas”.

Naqueles tempos ele morava sozinho, isolado da comunidade, numa casinha simples e humilde sem água e sem energia elétrica, no meio dos morros feitos pelas maquinas da Companhia Siderúrgica. Só conheceu a casinha dele quem costumava brincar na “Duzentas”, ficava quase escondida, o acesso era um pouco difícil.

Ele era muito gente boa, não tinha emprego fixo, viva de uns “bicos”, que fazia, era um serviço aqui outro acolá, mas sempre com muita honestidade. Estava sempre disposto a qualquer serviço para o qual era requisitado, principalmente o de jardinagem.

Por ser um cara que vivia um pouco isolado, muitas vezes era discriminado. Quantas ocorrências atípicas que se passaram no Rio Fiorita da época foram imputadas a ele, que nada tinha a ver com o caso.

Era fácil jogar a culpa em pessoas indefesas.

Não faz muito tempo ouvi dizer que mora em Içara e está muito bem de vida.

Força Buzina, vamos em frente.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

CAMPINHO

Falar do Rio Fiorita dos anos 60 e não falar do Guilherme, é como se não estivesse falando do Rio Fiorita.

O Guilherme era gente boa, destemido e respeitado, não aturava desaforo.

Por ter um pequeno problema no pé, o pessoal chamava-o de “mula manca”, mas nunca na sua presença, porque a reação era instantânea.

Esse problema não o atrapalhava em nada tanto que era um exímio ciclista como também futebolista. Quantas vezes ele montado em sua bike surgia do nada nas festas da Gruta de Treviso, festa de São Vitor e muitas outras festas nas comunidades espalhadas pelo interior de Siderópolis da época. Era excelente atleta, bom de bola, tinha um chute potente que amedrontava qualquer goleiro.

Dos campos de “peladas” no Rio Fiorita, os dois mais famosos sempre foram o “Sobe-e-Desce” próximo ao escritório da CSN, no lado da Geminada, e o “Serro da Vaca Magra” nas margens direita do Rio Fiorita, próximo ao encontro da Rua do Comércio com a Rua 11. O terceiro campo de “peladas”, era o campo do Guilherme, que ficava nos resquícios de uma antiga pedreira exatamente em frente ao Clube União Mineira. Para se fazer um “futebolzinho” nesse campo, que não tinha nada de grama, chamávamos de Pasto de Bode, porque tinha apenas umas touças de capim incrustadas na areia remanescente da abandonada pedreira, só com autorização do Guilherme. Às vezes uns mais afoitos arriscavam uma “peladinha” no Campo do Guilherme, mas se ele ouvisse o barulho da bola, no mesmo instante aparecia, e impondo a voz  perguntava:

– Quem foi que autorizou vocês a jogarem no meu campo?

O silencio era fúnebre, mas dependendo da clientela ele perdoava e deixava-os continuar jogando, desde que arranjasse um lugar para ele.

Se os atletas do momento não eram do seu agrado, tinham que pôr a bola debaixo do braço e partir para outro local, geralmente no “campinho” que ficava em frente a Assembleia de Deus, na época conhecida como Igreja dos Evangelistas.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

BALAUSTRES

O tempo passou e eu voltei ao meu Rio Fiorita.

Sempre que lá volto, visito os lugares que me trazem boas lembranças, e são muitos esses lugares.

A visita à Capela de Santa Barbara, imponente sobre a colina, é de lei, nem que seja apenas para uma olhadinha externa, essa visita sempre faço.

Naquele dia a capela estava aberta, entrei, observei os detalhes, as imagens, em seguida a arquitetura e neste instante senti um vazio, faltava alguma coisa e isso me incomodou um pouco.

O que estava faltando?

Os balaústres que faziam a divisória que chamávamos de “cerquinha” a qual dividia o altar, quase exclusivo dos padres e coroinhas, da área reservada à comunidade. Na época eu nem sabia que balaústres era o nome daqueles “barrotes de madeira torneados”, que faziam a divisória.

Um degrau abaixo da linha dos balaústres, encontrava-se o genuflexório, ou, num português mais acessível, o estrado onde a comunidade se ajoelhava para a Comunhão, sempre após uma hora de jejum, no mínimo.

Os balaústres se foram, a Capela ficou maior, e a saudade mais ainda.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.                                                                                                                      Mano Savi

ARQUINHO

A gente pronunciava “Duzentas”, essa era a denominação de uma máquina de escavação que ficou abandonada na mina, nos fundos da rua 12.

O pessoal comentava que a Companhia abandonou a máquina na mina porque estava dando muita manutenção, quase todo dia quebrava uma peça.

Entre os mineiros, depois de beber umas e outras, era comum comenta que foi uma praga de uma Padre, porque a máquina trabalhava direto, não respeitando sábados nem domingos. Dizem que num certo domingo a máquina atrapalhou uma procissão pelas ruas do Fiorita, e deu no que deu.

Na máquina abandonada a rapaziada do Rio Fiorita brincava de “Cow Boy”, que chamávamos de “camõe”, se escondendo em tudo quanto é canto, e também no porão que era apinhado de morcegos. Tinha também aquele pessoal que ia na máquina com chaves nos bolsos, para afrouxar parafusos e se apropriar de peças, geralmente arruelas. Tinham umas arruelas gigante que o pessoal usava para brincar de “arquinho de moda”, aquela saudosa brincadeira, na qual a gente empurrava uma rodinha (a famosa arruela tirada da “duzentas”, as vezes uma roda da chapa do fogão a lenha, ou qualquer outra roda improvisada), empurrada com um arame dobrado em forma de “U” espetado numa rama de aipim.

– Alguém lembra desse brinquedo?

Fazia parte da diversão da gurizada no Rio Fiorita.

Eu quando criança, brincando de “arquinho de moda”, fui atropelado pelo Ailton, filho do Seu Edmundo, levei três pontos no rosto.

Com o passar do tempo, a Companhia vendeu a “Duzentas” como sucata para uma Fundição de Joinville, a qual encaminhou para Siderópolis dois funcionários para desmontar o que ainda restava. Ainda guardo na lembrança, era o Seu Rosa um baixinho e o Seu Raul alemão alto e de vasto bigode, “a la sargento Garcia”.

Os dois tinham o costume de no final da tarde, após mais um dia de labuta, irem na venda dos Savi beber umas biritas. Eu muitas vezes abasteci os “martelinhos” e os “lisos” com cachaça purinha, agrião, losna, limão, mastruço, porém nunca fiquei sabendo se era vicio, ou se servia de relaxante muscular após um árduo dia de trabalho.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

MOTOCICLETA

Naquele tempo chamávamos de “motor”. Meu pai e meu tio tinham um em sociedade. Era de fabricação Tcheca, marca JAWA, ano 1951, cor bordô, um dos “motores” mais conhecidos em Siderópolis, juntamente com o do Seu Alcino, que tinha as mesmas características, inclusive a mesma cor.

Muitas vezes meu pai colocava uma saca com 60 Kg de milho sobre o tanque de gasolina, ligava o motor, pois eu franzino nos meus 13 ou 14 anos de idade, nem se quer tinha forças suficiente para acionar o pedal de arranque, e pedia para que eu levasse a saca de milho até a atafona do Sr. Giocondo, pra lá de Treviso, no caminho de quem vai para Forquilha. Geralmente dois dias depois eu regressava para buscar a farinha. Só ia se fosse tempo firme, pois se tivesse tempo nublado corria o risco de trazer a “polenta pronta”. A carga voltava com uns 40 Kg, pois tinha a “quebra” e também o percentual referente ao pagamento do serviço de moagem, que era feito em farinha.

Lembrando que eu não tinha forças o suficiente para acionar o pedal de arranque, o senhor Giocondo ligava o motor, e eu cabelos ao vento, pois na época não era costume, muito menos obrigatório usar capacete, voltava para casa feliz da vida por mais uma etapa ganha.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

DENTES

Dentista também era artigo de luxo naqueles tempos. O pessoal da CSN tinha dentistas conveniados com o Sindicato dos Mineiros. No nosso caso, a salvação era o Sr. João Sonego em Treviso. Eu deveria ter perto de 7 anos, estava na idade de trocar os dentes, sair da dentição decídua, naqueles tempos conhecidos como, “dentes de leite”, para a dentição definitiva. O dentista do Sindicato costumava dar uma “fuginha” no meio da tarde para fazer um lanche na Venda dos Savi. Numa dessas, meu saudoso Pai, Seu Gialdino, mais conhecido por Seu Galdino, falou com ele sobre meus dentes que estavam moles e em breve cairiam. Ele gentilmente deu uma olhadinha superficial e pediu para que eu fosse ao consultório no final do expediente. Fui lá e voltei para casa com cinco dentes embrulhados num guardanapo, e consequentemente “uma fresta” no sorriso. Com uma só anestesia extraiu 5 dentinhos. A noite veio, e com ela a febre, chegou perto dos 40 ºC. Naquela semana não foi possível comer minestra com queijo e salame, foi capilé bem gelado com balachão Araré, alternando com bolacha Maria, até o dia que baixou a febre e cicatrizou a gengiva. No dia seguinte a efeméride, quando o dentista foi fazer o tradicional lanche da tarde, meu Pai, perguntou:

– Quanto foi o serviço?

– Não foi nada não.

Meu Pai então deu-lhe de presente duas “pernas de salame” e uma “roda de queijo colonial”.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

ENCICLOPÉDIA

Nos anos de 1960 minha geração cursava o primário no Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi no Rio Fiorita. Todos respeitavam as professoras, afinal elas eram autoridades. Tempos bons aqueles.

Lembro-me que num belo dia chegou um senhor, esbelto, bem vestido, cabelos repletos de brilhantina, era o vendedor de enciclopédias, que em sua passada pelo Rio Fiorita passou a ser mais respeitado que as professoras.

Foi-nos apresentado pela diretora, e em seguida fez um discurso sobre as grandes vantagens de se ter uma enciclopédia em casa, distribuiu panfletos para levarmos aos pais, na intenção de convencê-los a comprar uma daquelas coloridas coleções de livros.

Durante sua estada no Rio Fiorita, foi tratado como autoridade máxima, afinal tinha vindo da capital, vestia-se com calça vincada, e camisa manga longa sob um impecável paletó, e isso impunha respeito.

Anos mais tarde quando fui para Florianópolis cursar Engenharia, numa de minhas costumeiras passagens pela Rua Felipe Shmitd, mais precisamente no Bar Senadinho, onde os aposentados costumam jogar conversa fora, carteado e dominó, sabem quem estava lá, mais uma vez bem vestido, porém sem brilhantina nos fios capilares? Aquele que um dia, no Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi foi mais respeitado que as professoras, o vendedor de enciclopédias. Era um ser humano igual a todos nós.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

RIM

O inverno ia se aproximando, e com ele chegava a época de matar porcos. Abater os animais, destrinchá-lo, derreter o toicinho para fazer banha, e por tabela fazer o saboroso e saudoso torresmo dos Savi. Também se fazia salame para comer com minestra, e salgava-se alguns nacos de toicinhos para conservá-los, os quais seriam degustados em tempos futuros. Hoje são conhecidos por “bacon”.

A gente pulava da cama cedo, lá pelas 05H00 da matina, meu pai colocava fogo sob o tacho para ferver a água enquanto os animais eram abatidos.

Meu saudoso pai era especialista no abate, e nas demais etapas de destrinchamento. A gurizada, entre eles eu, picavam as tiras de toicinho em pequenos cubos que eram levados ao tacho para derreter a banha e fazer o torresmo. O cerimonial era realizado com muito cuidado para não passar do ponto, e exigia que fosse mexido constantemente com uma pá de madeira, semelhante a um remo. Nós sorrateiramente amarrávamos rim suíno com cordão de amarrar salame e jogávamos no interior do tacho junto ao toicinho que derretia. O cordão tinha a finalidade de facilitar a “pesca” tendo em vista que o rim cozia muito rápido na banha que borbulhava, evitando que se perdesse tempo procurando-o no meio da banha. Quando o rim estava cozido a gente fazia uma grande festa, cortando-o em fatias e temperando-o com limão para então saboreá-lo.

O tempo passou e quando estava cursando o científico no Colégio Marista de Criciúma, numa aula de biologia fiquei sabendo a função do rim. Quase vomitei na sala de aula. Nunca mais quis saber de comer rim.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

GAITINHA

O natal se aproximava e chegava a hora de fazer o pedido ao papai Noel.

Naquele distante ano, ainda cursava o primário, pedi de presente uma gaitinha de boca.

O natal chegou, e a gaitinha também. Eu muito feliz saía pelas ruas do Rio Fiorita soprando a gaitinha que respondia com o tradicional o “lari-lará, lari-lará”, mesmo sem ter a mínima noção do era uma nota musical. Eu adorava soprar minha gaitinha de boca. A felicidade era grande. Independente da ignorância em teoria musical, a gaitinha quando não estava sendo soprada lá pela Rua do Comércio, Rua 12, Rua 14 e redondezas, estava devidamente guardada no bolso da calça, calça curta, diga-se de passagem.

Um belo dia quando fui fazer minhas necessidades fisiológicas, para não dizer que ia “cagar”, e naquele tempo não tínhamos banheiro com vaso sanitário e tudo mais, era a tradicional patente de rua, aquela famosa casinha localizada nos fundos do terreno, a qual no interior tinha um assento com um enorme furo, e lá em baixo um buraco que fazia o papel de latrina, onde pela ação da gravidade e mais um esforçozinho se destinavam a fezes. Nesse dia cheguei na patente razoavelmente apurado, desci a calça, e na tradicional “acocorada” a gaitinha que estava no bolso, deslizou diretamente ao buraco da patente. Que tristeza. De inicio pensei em fazer um “pescador com arame”, para resgatá-la, mas o odor que o ambiente exalava me fez desistir da ideia.

Nunca mais no Rio Fiorita alguém ouviu o “lari-lara, lari-lará” da minha gaitinha.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

SONHOS 

Na tenra infância, nós do Fiorita só nos juntávamos ao pessoal da Geminada na escola ou nos jogos do Itaúna Atlético Clube. No carnaval, enquanto o pessoal da Geminada curtia o Recreio do Trabalhador, nós do Fiorita íamos ao Clube União Mineira, que o pessoal dizia ser o Clube dos Pretos. Na verdade, era administrado pelos nossos irmãos da etnia negra, mas para nós do Fiorita era o melhor Clube do Mundo. Um local onde não havia discriminação, ali todos se divertiam, independentemente de cor de pele, e classe social, o Clube mais eclético que eu conheci. Nele se promoviam muitas festas, mas o carnaval era o auge das comemorações, muito agito, muita gente alegre. Aquelas saudosas marchinhas não deixavam ninguém parado. “O cordão do puxa saco, cada vez aumentava mais”. A festa no interior do Clube era muito animada, porém lá fora havia uma atração muito especial. Era o sonho. O sonho do Paquelim, que com um cesto pendurado no braço vendia sonhos, e era o sonho de muita gente degustar aqueles sonhos, recheados com goiabada. No Rio Fiorita aquele sonho sempre era comercializado nos eventos promovidos pelo Clube União Mineira.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi 

FURUNCULO

O ambulatório da CSN era exclusivo dos servidores da Companhia Siderúrgica Nacional e seus familiares. No meu caso, meu pai não fazia parte do quadro de funcionários da CSN, então a gente só ia lá em duas ocasiões. Uma nas campanhas de vacina, quando a gente se deslocava em fila indiana, do Grupo Escolar Dr. Tullo Cavallazzi, até o ambulatório e vice-versa, e outra quando íamos levar rãs ao Dr. Girão que adorava degustá-las. As rãs nós abatíamos com uma paulada na cabeça, no ranário natural formado naquele banhado que havia em frente a Assembléia de Deus do Rio Fiorita, que na época a gente chamava de Igreja dos Evangelistas. Deixa estar que num belo dia amanheci com um furúnculo e dos grandes, na axila direita, ou seja, no sovaco. Naquele tempo se dizia que era “furuncu”. Aquilo estava me azucrinado, então ao meio dia fui até a casa do saudoso Sr. João Cascais e mostrei o estrago. Ele não vacilou, no mesmo instante me levou ao ambulatório, aplicou uma anestesia local, e passou o bisturi. Com o capricho e o carinho de um pai, fazendo o uso de um copinho recolhia o pus que jorrava forte, enquanto eu com trauma de agulha e bisturi, olhava para as paredes tentando me descontrair. Procedimento realizado, perguntei quanto foi o serviço, e ele apenas me mostrou o saldo do que estava me incomodando na axila, um copo quase cheio de pus, dizendo deixe para lá.

Foi um muito obrigado, e tudo bem.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi

BALAUSTRES

O tempo passou e eu voltei ao meu Rio Fiorita.

Sempre que lá volto, visito os lugares que me trazem boas lembranças, e são muitos esses lugares.

A visita à Capela de Santa Barbara, imponente sobre a colina, é de lei, nem que seja apenas para uma olhadinha externa, essa visita sempre faço.

Naquele dia a capela estava aberta, entrei, observei os detalhes, as imagens, em seguida a arquitetura e neste instante senti um vazio, faltava alguma coisa e isso me incomodou um pouco.

O que estava faltando?

Os balaústres que faziam a divisória que chamávamos de “cerquinha” a qual dividia o altar, quase exclusivo dos padres e coroinhas, da área reservada à comunidade. Na época eu nem sabia que balaústres era o nome daqueles “barrotes de madeira torneados”, que faziam a divisória.

Um degrau abaixo da linha dos balaústres, encontrava-se o genuflexório, ou, num português mais acessível, o estrado onde a comunidade se ajoelhava para a Comunhão, sempre após uma hora de jejum, no mínimo.

Os balaústres se foram, a Capela ficou maior, e a saudade mais ainda.

Essa é mais uma passagem que permanece viva no meu subconsciente, e me remete a infância em Siderópolis.

Mano Savi